Simplesmente genial... Quando li pela primeira vez fiquei chocada. Primeiro pela quantidade de asneirada que li, depois porque, de facto, tudo bate certinho... Uma leitura divinal, ou não. Mas minimamente (in)decente para deixar qualquer um cativado.
"O nível de stress de uma pessoa é inversamente proporcional à quantidade de "foda-se!" que ela diz. Existe algo mais libertário do que o conceito do "foda-se!"? (...) Reorganiza as coisas. Liberta-me.
"Não quer sair comigo?! - então, foda-se!" (...)
O direito ao "foda-se!" deveria estar assegurado na Constituição.
Os palavrões não nasceram por acaso. São recursos extremamente válidos e criativos para dotar o nosso vocabulário de expressões que traduzem com a maior fidelidade os nossos mais fortes e genuínos sentimentos. É o povo a fazer a sua língua. Como o Latim Vulgar, será esse Português Vulgar que vingará plenamente um dia.
"Comó caralho", por exemplo. Que expressão traduz melhor a ideia de muita quantidade que "comó caralho"? "Comó caralho" tende para o infinito, é quase uma expressão matemática.
A Via Láctea tem estrelas comó caralho! O Sol está quente comó caralho!
No género do "comó caralho", mas expressando a mais absoluta negação, está o famoso "nem que te fodas!". Nem o "Não, não e não!" e tão pouco o nada eficaz e já sem nenhuma credibilidade "Não, nem pensar!" o substituem. O "nem que te fodas!" liquida o assunto. (...)
Aquele filho pintelho de 17 anos atormenta-te pedindo o carro? Solta logo um definitivo: "Huguinho, presta atenção, filho querido, nem que te fodas!". (...)
Há outros palavrões igualmente clássicos. Pense na sonoridade de um "Puta que pariu!", ou o seu correlativo "Pu-ta-que-o-pa-riu!", falado assim, cadenciadamente, sílaba por sílaba.
E o que dizer do nosso famoso "vai levar no cu!"? E a sua maravilhosa e reforçadora derivação "vai levar no olho do cu!"? Já imaginaste o bem que alguém faz a si próprio e aos seus quando, passado o limite do suportável, se dirige ao canalha de seu interlocutor e solta: "Chega! Vai levar no olho do cu!"? (...)
E seria tremendamente injusto não registar aqui a expressão de maior poder de definição do Português Vulgar: "Fodeu-se!". E a sua derivação, mais avassaladora ainda: "Já se fodeu!".
Conheces definição mais exacta, pungente e arrasadora para uma situação que atingiu o grau máximo imaginável de ameaçadora complicação? (...) Algo assim como quando estás a sem documentos do carro e ouves uma sirene de polícia atrás de ti a mandar-te parar. O que dizes? "Já me fodi!"
Ou quando te apercebes que és de um país em que quase nada funciona, o desemprego não baixa, os impostos são altos, a saúde, a educação e … a justiça são de baixa qualidade, os empresários são de pouca qualidade e procuram o lucro fácil e em pouco tempo, as reformas têm que baixar, o tempo para a desejada reforma tem que aumentar … tu pensas “Já me fodi!”
Este país … ainda vai ser “um país do caralho!”
Atente no que lhe digo!"
Millôr Fernandes (adaptado)